Com o surgimento dos boletos bancários por força de uma instrução normativa do Banco Central, regulamentada no remoto ano de 1993, iniciou-se uma alargada comodidade para os clientes usufruírem dessa modalidade de pagamento. Nos dias atuais, o pagamento de boleto bancário propagou-se por meio da modalidade digital e se tornou uma prática corriqueira, muito em razão da praticidade atrelada ao mundo tecnológico.
Em suma, a prática envolve a falsificação de boletos de cobrança com o fito de que o pagamento seja computado na conta bancária do fraudador. O risco coloca o consumidor em estado de alerta, para não se tornar vítima do golpe do boleto fraudado, situação que pode acarretar prejuízo financeiro irreversível.
Recentemente, a 3ª Turma do STJ, nos autos do Recurso Especial nº 2.046.026 – RJ (2022/0216413-5), julgado em 13/06/202 [2], decidiu acerca da inexistência da falha da prestação de serviço da instituição financeira na hipótese de pagamento de boleto eivado de fraude, por reconhecer que se tratou de fato externo, ocorrido fora da rede bancária, situação em que configurada a culpa exclusiva de terceiro e, por conseguinte, excluso o dever de reparar da instituição financeira.
A decisão em comento consistiu em definir se a emissão, por terceiro, de boleto fraudado, configuraria fato exclusivo de terceiro apto a excluir a responsabilidade civil da instituição financeira. No caso concreto, o consumidor teria adquirido, de um terceiro, um automóvel oriundo de um financiamento veicular junto a instituição financeira. Ocorre que, como o contrato estava na situação de inadimplência, o consumidor assumiu a quitação integral via boleto bancário, recebido por e-mail supostamente enviado pela instituição financeira.
Nos autos, restou configurado que o boleto não foi emitido pelo canal oficial da financeira, mas sim por terceiro estelionatário, e o e-mail utilizado para o envio do boleto também não era de titularidade do banco. Vale dizer, a operação foi efetuada, em sua integralidade, fora da plataforma bancária. Para a Relatora, a ministra Nancy Andrighi, não houve falha na prestação dos serviços e a fraude não guarda conexão com a atividade desempenhada pela instituição, caracterizando-se como fato exclusivo de terceiro.
Neste contexto, insta ressaltar que a Corte já havia, em decisão similar, discursado acerca da questão, mais especificamente no bojo do Recurso Especial nº 1895562 [3], definindo que o pagamento de boleto eivado de fraude pode decorrer da prática conhecida como “phishing”, apta a configurar o fortuito externo e, portanto, afastar a aplicação da súmula 479 do STJ [4], que trata da responsabilidade objetiva das instituições financeiras.
A decisão pontuou que os ataques de “phishing” configuram fortuito externo advindo de golpe virtual, no qual os fraudadores utilizam-se de sites falsos, e-mails, ligações e outros meios, passando-se por integrantes de diversas instituições, solicitando informações e dados pessoais aos clientes para a realização de transações bancárias.
Para além do entendimento jurisprudencial destacado, a doutrina contemporânea ressalta a possibilidade da culpa do cliente que age de forma negligente com relação aos seus dados bancários, e em desídia ao conferir as informações antes de confirmar quaisquer operações bancárias — é o que se denomina de dever de “diligência média”. Conceitualmente, a diligência média está relacionada a um padrão de comportamento esperado pela sociedade, um grau de atenção exigível ao homem médio [5].
A Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já editou enunciado sumular nº 12 [6]; pontuando que, nas hipóteses de fraude mediante adimplemento de boleto falso, com pagamento a destinatário distinto do legítimo beneficiário, o ressarcimento somente é cabível mediante prova do direcionamento do lesado ao fraudador por preposto ou pelos canais oficiais de atendimento vinculados à instituição, ou seja, quando gerado por fortuito interno. Inexistindo prova de que a emissão do boleto tenha decorrido de falha no sistema interno do Banco, trata-se de situação que afasta a incidência da Súmula nº 479 do STJ e, consequentemente, a responsabilidade objetiva da instituição financeira em razão da fraude praticada fora da rede bancária.
Em atenção às decisões e entendimentos doutrinários acima colacionados, não se pode olvidar o necessário dever de cautela do consumidor no momento de realizar o pagamento de boleto por meio virtual, devendo se certificar de todos os dados constantes na transação antes de confirmar da operação, tendo em vista que, na hipótese de ocorrência de pagamento de boleto eivado de fraude, o prejuízo financeiro poderá não ser ressarcido.
Nestas hipóteses, além de incidir culpa exclusiva de terceiro, consoante a citada decisão paradigma do STJ, poderá ser configurada a culpa exclusiva do próprio consumidor, que age com negligência ao não verificar a autenticidade do boleto, conferindo os dados do título antes da confirmação do pagamento.
fonte: conjur.com.br