Toque de celular diferente da melodia cedida à operadora infringe direito do dono da obra, como prevê o artigo 34, inciso IV, da Lei dos Direitos Autorais. O repasse dos direitos autorais, conforme o artigo 49, inciso I, por sua vez, exclui a possibilidade de cessão dos direitos morais do autor. Logo, a alteração da obra sem autorização viola o direito autoral e enseja pagamento de dano moral.
O entendimento levou o 10º Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande Sul a confirmar sentença que mandou pagar danos morais a um compositor que teve a música adulterada em ringtone vendido pela Claro. Os Embargos Infringentes foram interpostos pelo autor em função de ter perdido a causa em sede de Apelação.
O relator dos Embargos, desembargador Eugênio Facchini Neto, afirmou no acórdão lavrado no dia 28 de junho que o direito moral do autor caracteriza-se como direito de personalidade. ‘‘Assim, tenho que, havendo violação a direito de personalidade, automaticamente restam caracterizados os danos extrapatrimoniais ou imateriais, pouco importando se os mesmos causam dor, sofrimento ou exponham o seu titular a vexame, humilhação etc, pois não se trata, aqui, dos danos morais puros ou subjetivos, mas sim de danos extrapatrimoniais ou imateriais.’’
Para Facchin, a questão não chega a ser propriamente nova na corte, listando vários acórdãos. Um deles, de 2011, da lavra do desembargador Tasso Caubi Soares Delabary, foi assim ementado: ‘‘Empresa concessionária de serviço telefônico que disponibiliza em seu sítio meio para obtenção de música de autoria do autor para toque telefônico sem a correspondente autorização, além de desvirtuar a melodia, fracionando-a em feição MPB e Tradicionalista, não dando o verdadeiro crédito ao titular, comete ato ilícito passível de indenização por ofensa ao direito autoral (Lei 9.610).’’
O caso
Como criador da música intitulada ‘‘Sem vaga’’, Raul Eduardo Pereyra disse que se sentiu desrespeitado ao constatar que o ringtone disponibilizado para download aos clientes da Claro S/A não indicava autoria da obra. E mais: o trecho escolhido para compor o toque de chamada, em face das modificações operadas, descaracterizou a composição musical. Ele pediu o pagamento de indenizações.
Chamada a se defender, a Claro alegou que a oferta de ringtones em seu site é operada pela empresa Supportcomm S/A, que trata da originalidade e direitos autorais das obras que serão disponibilizadas. No mérito, explicou que as músicas utilizadas passam por pequenas modificações, mas nada que agrida a integridade das canções.
A Supportcomm também apresentou defesa. Disse que firmou contrato de cessão de direitos com o autor e que manteve a integridade da obra, mesmo com a modificação tecnológica que a transformou em ringtone. Por fim, ao perceber a falta de crédito no site, garantiu ter sanado o problema imediatamente.
A sentença
A juíza de Direito Elisabete Corrêa Hoeveler, da 12ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre, escreveu na sentença que o fracionamento da obra não constitui, por si só, ofensa aos direitos do autor. A redação do artigo 46, inciso VIII, da Lei dos Direitos Autorais (Lei 9.610/1998), destacou, autoriza a reprodução em pequenos trechos.
Mencionou, entretanto, que o trecho disponibilizado para download é uma sequência ininteligível de notas musicais em piano, sem qualquer consonância com nenhum dos trechos da obra licenciada. Ou seja, a versão produzida para ringtone não guarda mínima fidelidade com a versão original.
Com isso, foi violado o artigo 24, inciso IV, da mesma lei, que tem a seguinte redação: ‘‘São direitos morais do autor: (…) o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra’’.
O artigo 103 também ampara o autor em sua reclamação contra a omissão do crédito, complementou. Este diz: “Quem editar obra literária, artística ou científica, sem autorização do titular, perderá para este os exemplares que se apreenderem e pagar-lhe-á o preço dos que tiver vendido. Parágrafo único. Não se conhecendo o número de exemplares que constituem a edição fraudulenta, pagará o transgressor o valor de três mil exemplares, além dos apreendidos’’.
Assim, para reparar cada infração aos direitos do autor, a juíza arbitrou o quantum da seguinte maneira: multiplicou R$ 3 mil por R$ 3,49 (valor unitário do toque no site da Claro), o que resultou em R$ 10.470. Multiplicado por dois, o valor estipulado para indenizar o dano moral, por falta de crédito e adulteração, ficou em R$ 20.940. A operadora também foi proibida de continuar comercializando o rington com os defeitos melódicos constatados.
Como a denunciação à lide foi deferida, a condenação se voltou contra a Supportcomm, cujo dever de reembolso regressivo, na forma do artigo 70, inciso III, do Código de Processo Civil, é ‘‘manifesto’’, decretou a julgadora.
Apelações
Inconformados com o teor da sentença, os litigantes entraram com Apelações no tribunal. O autor não se conformou com a improcedência do pedido de indenização pelo fracionamento da obra, assim como considerou baixo o quantum arbitrado pelo dano moral.
As empresas argumentaram quase na mesma linha, negando que as modificações introduzidas tenham adulterado a obra e que o lapso de tempo em que o site da Claro deixou de apontar o crédito foi ‘‘desprezível’’. A Supportcomm ainda discorreu sobre a cumulação de indenizações por danos morais, pela configuração de bis in idem (mais de uma punição pelo mesmo fato), além de apontar a ‘‘equivocada’’ utilização dos critérios de indenização estipulados na Lei dos Direitos Autorais.
O relator dos recursos na 20ª Câmara Cível, desembargador Rubem Duarte, entendeu que a juíza avaliou com exatidão as provas dos autos e aplicou com acerto a legislação. Por isso, adotou os fundamentos da sentença como razões decidir.
O desembargador Carlos Cini Marchionatti, que atuou como revisor no julgamento, abriu divergência, por entender que o fracionamento e descaracterização no âmbito do sistema ringtone não presumem perdas e danos. ‘‘Da situação exposta, não se constata contrafação ao direito autoral, nem ofensa ao nome ou à pessoa do artista. Quando muito, se está diante da constatação de um contratempo’’, acrescentou. O entendimento teve apoio do desembargador Glênio José Wasserstein Hekman.
Aceita a Apelação pela maioria do colegiado, o autor voltou ao TJ-RS, ajuizando Embargos Infringentes, para fazer prevalecer o voto do desembargador Rubem Duarte. O recurso seguiu para o 10º Grupo Cível, órgão julgador formado pelas 19ª e 20ª Câmaras Cíveis, criado para uniformizar as decisões nas demandas de Direito Privado.
Fonte: Consultor Juridico – Por Jomar Martins