Em comarca recém-criada, realizou-se a primeira sessão do Tribunal do Júri e para presidi-lo foi indicado um jovem magistrado. A ré era acusada de ter matado o marido. Ao instalar a sessão de julgamento, o magistrado iniciou a sua oração com longos e demorados elogios à população, já transformada em comarca, cujos cidadãos tinham, a partir daí, pleno acesso à justiça, reivindicação fundamental do Estado de Direito e anseio primário do homem. Alçou um voo nas asas da retórica, de cerca de uma hora, que a própria ré sentiu a sua importância histórica naquele momento solene. Iniciadas as formalidades de praxe, o juiz-presidente notou que, na relação dos 21 jurados, havia duas mulheres, o que o inspirou a iniciar novo e longo discurso, elogiando a mulher como doméstica, como cidadã e como mãe. “Falou sobre as mulheres” da História, provou a importância da mulher na defesa de Cartago, de Roma, de São Paulo, em 1932, discorreu acerca da beleza feminina, absolveu novamente Frinéia, demonstrou as virtudes inconspurcadas de Penélope e o heroísmo de Helena de Tróia. Saturou o ambiente. “O promotor ficou boquiaberto.” O advogado de defesa esfregava as mãos de alegria, pois já contava com duas juradas no conselho de sentença. Começou o juiz-presidente a sortear os sete jurados que comporiam o conselho, e retirada a primeira, a segunda, a terceira cédula, saiu o nome da cidadã Maria Clara Pereira das Cinco Chagas. Tomou novamente o juiz-presidente da palavra e deitou falação: falou da primeira mulher jurada da comarca, falou da Virgem Maria a respeito das Cinco Chagas de seu Divino Filho e foi falando, falando, sem olhar o relógio. O promotor público queria explodir de raiva. Por fim, o juiz-presidente perorou: “Ditas estas singelas e despretensiosas palavras, que bem retratam o valor da mulher no funcionamento da justiça e congratulando-me com dona Maria Clara Pereira das Cinco Chagas, consultou a defesa se aceita a jurada.” “Aceito.”, disse o advogado. Virou-se o juiz para o promotor público, consultando-o se a aceitava. Silêncio geral e respiração presa!
A resposta estourou como uma bomba: “Recuso!!!…”
Livro: Grandes Advogados, Grandes Julgamentos
Autor: Paulo Pedro Filho