Tudo isso, porém, no campo do lirismo da poesia de Drummond. Sim, porque, sob a égide da letra fria da lei e das convenções que pregam o bom senso, amar, ou mais exatamente namorar, é prática incompatível com o ambiente de trabalho. Tanto assim que o funcionário de uma empresa de Minas Gerais (coincidentemente a terra do poeta) foi demitido por namorar no local onde presta serviços. O rigor extremo da máxima segundo a qual “onde se ganha o pão, não se come a carne”, custou ao trabalhador o desligamento do emprego. Menos inconformado com a dispensa do que ficaria com o rompimento afetivo, se este acontecesse, buscou ele seus direitos e, judicialmente, teve reconhecido o direito à indenização de quase R$ 40 mil por danos morais. Entendeu o Judiciário que a medida extrapolou limites e constituiu flagrante arbitrariedade. Vamos aos fatos: o bom comportamento no trabalho é algo inerente a qualquer profissão. Todos têm claro, ou deveriam ter, que determinadas condutas são incompatíveis com a prestação de serviços. A regra vale para a vida, aliás. “Não sei vai de terno à praia, menos ainda de sunga ao tribunal”, registrou um professor. O que a lei busca, no entanto, é estabelecer limites. Consultores de Recursos Humanos, até pela própria natureza do que fazem, aconselham uma postura rígida. Nada de manifestações de carinho exacerbadas, nada de liberdades despudoradas. “Dura lex, sed lex”: são assim os profissionais de gestão de pessoal. Ao que consta, no caso que ganhou repercussão a ponto de ser discutido em reportagem do dominical “Fantástico”, nada disse aconteceu com o funcionário demitido. De fato, namorava (e namora, ao que parece) pessoa que trabalhava na mesma empresa. Nunca, porém, se permitiu excessos. Um beijo menos comprometedor no corredor do café, um andar de mãos dadas até a saída, uma saudação mais carinhosa no correr do dia. Colocadas assim, tais ações nada reservam de tão mais grave. Para o olhar frio dos que analisam o comportamento humano, entretanto, foram mais do que suficientes para ensejar a dispensa por justa causa. Não é necessário tanto conhecimento técnico para concluir que a medida pecou pelo exagero. Sim, ela pode constituir precedente que a visão imediatista do capital quer evitar a todo custo. Mas, convenhamos, não há como enxergar indício de maldade em atitudes como as tomadas pelo trabalhador dispensado. Quando soube do episódio, veio-me passagem que projetou Sorocaba para o mundo. Nos anos 80, em plena vigência do regime de exceção, baixou um juiz aqui lotado portaria na qual proibia “beijos cinematográficos” em praça pública. Foi o que bastou para que jovens se organizassem e ficassem concentrados, sábado à noite, na praça central. Poucas vezes aquele espaço ficou tão tomado de gente. Ninguém, claro, pode ser favorável à quebra do decoro no ambiente de trabalho. Em compensação, o histórico do que se passou em nada reforça que houve excessos. Tanto assim que a demissão foi caracterizada como discriminatória e o empregado indenizado. Nesse mundo de súcias, que anda por conta própria, só nos cabe, primo, usar da cautela que mal nenhum faz. Conviver harmônica e pacificamente, respeitando as diferenças alheias. Fazer como o velho Rubem Braga, cronista que faz companhia. Dele, escolhi o trecho da crônica “Recado ao senhor 903” para concluir essa intervenção que compartilho com os amigos. “… que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um homem batesse à porta do outro e dissesse: “Vizinho, são três horas da manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou.” E outro respondesse: “Entra, vizinho, e come de meu pão e bebe de meu vinho. Aqui estamos todos a bailar e a cantar, pois descobrimos que a vida é curta e a lua é bela”. E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre os amigos e amigas do vizinho entoando canções para agradecer a Deus o brilho das estrelas e o murmúrio da brisa nas árvores, e o dom da vida, e a amizade entre os humanos, e o amor e a paz”.
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